Segundo episódio da série Memórias da Repressão, exibida no JPB2, conta a história do ativista estudantil, João Roberto Borges, morto por conta do ativismo em organizações de estudantes. João Roberto Borges foi líder de movimentos estudantis na Paraíba e foi morto após repressão da ditadura
Preso, torturado e encontrado morto aos 23 anos, pouco tempo depois de ganhar a liberdade. Esses são fatos da vida de João Roberto Borges, liderança do movimento estudantil, natural de João Pessoa, e uma entre tantas vítimas da ditadura militar na Paraíba. As causas da morte de João permanecem sem ser esclarecidas.
Este é o tema do segundo episódio da série 'Memórias da Repressão', do JPB2, em que o repórter Hebert Araújo resgata histórias de pessoas que viveram na pele as atitudes opressoras da ditadura militar na Paraíba. A produção faz parte da memória sobre os 60 anos do Golpe Militar.
Classificado como uma pessoa de gestos humanos e generosos, o líder estudantil tinha como objetivo de vida se formar na área de medicina para trabalhar como médico nas periferias, mas teve o sonho cortado abruptamente.
"João Roberto era uma figura que se caracterizava por seus gestos de muita humanidade, de muita generosidade. Quando ele comentava sobre suas pretensões de atuar como médico, ele pensava muito em poder trabalhar nos bairros das periferias, atender as pessoas que tinham mais dificuldade", disse a ex-namorada de João nos tempos de movimento estudantil, a ex-deputada federal Jô Morais.
Jô Morais foi ex-namorada de João Roberto, durante o período de ditadura militar
Em 1968, as forças de repressão do regime invadiram um congresso de estudantes, dos vários que João Roberto Borges participava. Esse foi o primeiro contato direto que o ativista estudantil teve com os agentes da ditadura. Um ano depois, em 1969, ele foi preso pela primeira vez. Nessa época, havia somente alguns meses da instauração do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o mais repressivo do período.
Preso, com os direitos de liberdade e de opinião cerceados, João Roberto, depois de liberado inicialmente, não via mais lugar possível para viver sem medos na Paraíba, por isso, buscou se esconder na capital Pernambucana, Recife.
Waldir Porfírio foi presidente da Comissão Estadual da Verdade
"Após o ato institucional nº 5, João Roberto é preso novamente, por fazer um discurso no Clube dos Estudantes Universitários, e ficando preso até véspera de Natal de 1968. No ano seguinte, vendo que as coisas estavam difíceis, ele foi para Recife", disse Waldir Porfírio, presidente estadual da Comissão da Verdade.
Mas, mesmo mais isolado em Pernambuco, João continuou suas atividades, lutando contra a ditadura militar. Uma série de prisões aconteceram depois da primeira, entre elas, porque João fez panfletagem em frente a uma fábrica, chamando os trabalhadores para se revoltarem contra o regime.
Mesmo com a intercessão de familiares, apelando para as autoridades da época, João permaneceu preso após a panfletagem. Enquanto ele estava na prisão, foi pedido para ele que escrevesse uma carta autobiográfica, com passagens que ninguém reconheceria como sendo de autoria do líder estudantil.
"Tinha lá coisas estranhíssimas, ele louvava a 'revolução de 1964' e, ao mesmo tempo, dizia que o ato institucional nº 5 foi muito bom porque os estudantes estavam fazendo rebelião. Ora, ele era uma das lideranças dos estudantes", ressaltou Waldir Porfírio sobre os documentos produzidos por João durante o cárcere na ditadura.
Clandestinidade e a morte 'nebulosa' pouco tempo depois
Depois de um período preso em Recife, ele foi liberado e voltou para a Paraíba, com a decisão de entrar na clandestinidade. No entanto, pouco tempo após a saída da prisão, João Roberto Borges foi encontrado morto no município de Catolé do Rocha, no Sertão da Paraíba.
"Ele pede demissão do emprego que estava (depois de ser solto), vai para o Rio Grande do Norte, onde conseguir documentos falsos, para continuar na clandestinidade. Então, de Natal, ele vai para Catolé, para uma fazenda, que era do colega dele de república", disse Waldir.
O corpo do ativista estudantil foi encontrado na beira de um açude na cidade, nas proximidades da casa em que ele estava vivendo.
A então namorada de João Roberto comentou como recebeu a notícia da morte dele e a forma que isso impacta, até hoje, a vida dela.
"Quando cheguei em São Paulo, depois de um certo período, o ex-presidente de um movimento estudantil me chamou e me contou que João Roberto tinha sido encontrado morto. Isso foi algo que me marcou muito, porque o amor, a paixão, a identidade que nós tínhamos por um Brasil melhor, mais justo, era algo que nos aproximava bastante", disse Jô Morais.
Em relação à causa da morte de João Roberto, até os dias de hoje se permanece certa nebulosidade sobre os fatos. Isso porque, durante o período que comumente é realizado laudos que apontam a causa da morte, a família não preferiu que houvesse exames de necropsia.
O médico responsável por fazer o primeiro contato com o corpo de João Roberto, segundo a Comissão da Verdade, emitiu uma documentação dizendo que a morte tinha sido em decorrência de um afogamento, no entanto, a comissão não conseguiu a informação de que autópsias e exames foram realizados, mesmo antes da decisão da família.
"Os familiares estavam tão doloridos com o fato (a morte), já que eles vinham a muito tempo sofrendo com as perseguições dos filhos, que eles não deixaram fazer uma autópsia", contou Waldir.
A Comissão Estadual da Verdade, inclusive, encontrou muita resistência de parentes de familiares de João Roberto para colher depoimentos e remontar a situação da morte do líder estudantil no período em que foi criada para levantar informações do período da ditadura. A comissão teve dificuldades também com outras famílias de mortos que, por vezes, preferiam não falar.
"Ele não foi preso por fazer guerrilha, não foi preso por terrorismo, não. Ele foi preso só por conta de sua fala. Eu conheci o João Roberto querendo ser um bom orador e dizendo as pessoas a quem ele queria seguir e depois viu o fim exatamente por aquilo que aprendeu", disse o amigo pessoal de João Roberto, Fernando Aquino.
Fonte: PORTAL SERTÃO COM G1